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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Um Apólogo
Machado de Assis

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.
Conheça o autor e sua obra visitando "Biografias".


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© Projeto Releituras — Todos os direitos reservados. O Projeto Releituras — um sítio sem fins lucrativos — tem como objetivo divulgar trabalhos de escritores nacionais e estrangeiros, buscando, sempre que possível, seu lado humorístico,
satírico ou irônico. Aguardamos dos amigos leitores críticas, comentários e sugestões.
A todos, muito obrigado. Arnaldo Nogueira Júnior.
 ® @njo

Um Apólogo de Machado de Assis

Um Apólogo
Machado de Assis

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.
Conheça o autor e sua obra visitando "Biografias".

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© Projeto Releituras — Todos os direitos reservados. O Projeto Releituras — um sítio sem fins lucrativos — tem como objetivo divulgar trabalhos de escritores nacionais e estrangeiros, buscando, sempre que possível, seu lado humorístico,
satírico ou irônico. Aguardamos dos amigos leitores críticas, comentários e sugestões.
A todos, muito obrigado. Arnaldo Nogueira Júnior.
 ® @njo

Resumo completo e personagens de Capitães da Areia

CAPITÃES DA AREIA
(RESUMO)    
Jorge Amado 
Os Capitães da Areia é um grupo de meninos de rua. O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, via uma seqüência de reportagens e depoimentos, explicando que os Capitães da Areia é um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os únicos que se relacionam com eles são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo, Don'Aninha. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caçam como adultos antes de se tornarem um. A primeira parte em si, "Sob a lua, num velho trapiche abandonado" conta algumas histórias quase independentes sobre alguns dos principais Capitães da Areia (o grupo chegava a quase cem, morando num trapiche abandonado, mas tinha líderes). Pedro Bala, o líder, de longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, que depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve; Volta Seca, afilhado de Lampião, que tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro; Professor, que lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso; Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva; Sem- Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (e numa das casas que vai é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade); João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando; Querido- de- Deus, um capoeirista amigo do grupo, que dá algumas aulas de capoeira para Pedro Bala, João Grande e Gato; e Pirulito, que tem grande fervor religioso. O apogeu da primeira parte é dividido em, quando os meninos se envolvem com um carrossel mambembe que chegou na cidade, e exercendo sua meninez; e quando a varíola ataca a cidade, matando um deles, mesmo com Padre José Pedro tentando ajudá-los e se indo contra a lei por isso. A segunda parte, "Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos", surge uma história de amor quando a menina Dora torna-se a primeira "Capitã da Areia", e mesmo que inicialmente os garotos tentem tomá-la a força, ela se torna como mãe e irmã para todos. (O homossexualismo é comum no grupo, mesmo que em dado momento Pedro Bala tente impedi-lo de continuar, e todos eles costumam "derrubar negrinhas" na orla.) Professor e Pedro bala se apaixonam por ela, e Dora se apaixona por Pedro Bala. Quando Pedro e ela são capturados (ela em pouco tempo passa a roubar como um dos meninos), eles são muito castigados, respectivamente no Reformatório e no Orfanato. Quando escapam, muito enfraquecidos, se amam pela primeira vez na praia e ela morre, marcando o começo do fim para os principais membros do grupo. "Canção da Bahia, Canção da Liberdade", a terceira parte, vai nos mostrando a desintegração dos líderes. Sem-Pernas se mata antes de ser capturado pela polícia que odeia; Professor parte para o Rio de Janeiro para se tornar um pintor de sucesso, entristecido com a morte de Dora; Gato se torna uma malandro de verdade, abandonando eventualmente sua amante Dalva, e passando por ilhéus; Pirulito se torna frade; Padre José Pedro finalmente consegue uma paróquia no interior, e vai para lá ajudar os desgarrados do rebanho do Sertão; Volta Seca se torna um cangaceiro do grupo de Lampião e mata mais de 60 soldados antes de ser capturado e condenado; João Grande torna-se marinheiro; Querido-de-Deus continua sua vida de capoeirista e malandro; Pedro Bala, cada vez mais fascinado com as histórias de seu pai sindicalista, vai se envolvendo com os doqueiros e finalmente os Capitães da Areia ajudam numa greve. Pedro Bala abandona a liderança do grupo, mas antes os transforma numa espécie de grupo de choque. Assim Pedro Bala deixa de ser o líder dos Capitães da Areia e se torna um líder revolucionário comunista.
Este livro foi escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado, e nota-se grandes preocupações sociais. As autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é uma exceção mas nem tanto; antes de ser um bom padre foi um operário), cruéis e responsáveis pelos males. Os Capitães da Areia são tachados como heróis no estilo Robin Hood. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transforma em personagens únicos e corajosos, corajosos Capitães da Areia de Salvador.

Personagens
João Grande: Negro, mais alto e mais forte do bando. Cabelo crespo e baixo , músculos rígidos, tem 13 anos. Seu pai, um carroceiro gigantesco , morreu atropelado por um caminhão, quando tentava desviar o cavalo para um lado da rua. Após a morte de seu pai, João Grande não voltou mais ao morro onde morava, pois estava atraído pela cidade da Bahia. Cidade essa que era negra, religiosa , quase tão misteriosa como o verde mar. Com nove anos entrou no Capitães da areia. Época em que o Caboclo ainda era o chefe. Cedo, se fez um dos chefes do grupo e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para organizar os furtos. Ele não era chamado para as reuniões porque ele era inteligente e sabia planejar os furtos, mas porque ele era temido, devido a sua força muscular. Se fosse para pensar, até lhe doía a cabeça e os olhos ardiam. Os olhos ardiam também quando viam alguém machucando menores.Então seus músculos ficavam duros e ele estava disposto a qualquer briga. Ele era uma pessoa boa e forte , por isso, quando chegavam pequeninos cheios de receio para o grupo, ele era escolhido o protetor deles. O chefe dos capitães da areia era amigo de João Grande não por sua força, mas porque Pedro o achava muito bom, até melhor que eles. João Grande aprende capoeira com o Querido-de-Deus junto com Pedro Bala e Gato. João Grande tem um grande pé, fuma e bebe cachaça. João Grande não sabe ler. João Grande ,era chamado de Grande pelo professor, admirava o professor. O professor achava João Grande um negro macho de verdade.
Dora: Morreu de uma febre muito forte, depois de se tornar esposa de Pedro Bala*. Morreu como uma santa, pois havia sido boa. *Para ele, virara uma estrela.
Sem-Pernas: Morrera, se jogando de um penhasco (elevador), depois de muito correr fugindo da polícia após um roubo. Ele preferira morrer do que se entregar.
Professor: Com seu dom de pintar, fora ao "Rio de Janeiro" tentar sucesso. Lá com os quadros dos Capitães da Areia ficou famoso.
Boa-Vida: Era mais um malandro da cidade, que fazia sambas e cantava pelas ruas, nas calçadas, nos bares, a "vagabundar".
Querido-de-Deus: Ensinava os meninos a lutar capoeira. Todos no trapiche o admiravam. Era pescador.
Dalva: Era uma mulher de uns trinta e cinco anos, o corpo forte, rosto cheio de sensualidade. O Gato a desejou imediatamente.
Pirulito: Garoto magro e muito alto, olhos encovados e fundos. Tinha Hábito de rezar.
Volta-Seca: Mulato sertanejo. Viera da caatinga. tinha como ídolo o cangaceiro Lampião.
O Gato: Candidato a malandro do bando, era elegante, gostando de se vestir bem. Tinha um caso com a prostituta, Dalva, que lhe dava dinheiro, por isso, muitas vezes, não dormia no trapiche. Só aparecia ao amanhecer, quando saía com os outros, para as aventuras do dia.
João-de-Adão: Estivador, negro fortíssimo e antigo grevista, era igualmente temido e amado em toda a estiva. Através dele, Pedro Bala soube de seu pai.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Leitura Capitães da Areia - 7ªs A e B

Capitães da Areia (Jorge Amado)

Nesse livro conhecemos os chamados “Capitães da Areia” que trata de um grupo de crianças abandonadas que vivem do furto. O chefe desse grupo era o chamado Pedro Bala, ingressara na vida de rua com cinco anos e com um pouco mais de idade se mostrava mais corajoso e capacitado líder para as crianças, era loiro e filho de um grevista morto no cais. Nesse grupo viviam mais de cinquenta crianças, entre eles Professor, Gato, Sem Perna, Volta Seca, Pirulito, Boa Vida, João Grande e outros. Todos viviam em um trapiche abandonado na praia.

Professor sabia ler e assim passava as noites à luz da vela lendo livros que de algum modo foram adquiridos, e também muitas vezes lia as histórias para os capitães ou então inventava a partir do que já lera. Possuía um grande talento para desenhar, muitas vezes ganhava alguns réis desenhando casais e jovens nas ruas da Bahia. Gato era um dos mais belos do grupo, quando chegou um dos meninos tentou se relacionar com ele, o que acontecia costumeiramente no trapiche, mas ele não se dispôs. Era vaidoso, elegante e tinha ginga de malandro. Andava arrumado dentro do que era possível, de acordo com sua realidade de menino de rua, o cabelo sempre melado de brilhantina barata. Com sua pouca idade, na adolescência se apaixonou por uma mulher da vida, Dalva. No início ela tinha um amante, mas foi até que ele se cansou dela e a partir de então ela e Gato iniciaram um caso.(...)

Por Rebeca Cabral